terça-feira, 16 de novembro de 2010

Abandono de Crianças Roney Modelo




Legislação brasileira não consegue proteger as crianças do abandono         O abandono de crianças sempre foi uma prática freqüente no Brasil. A taxa de abandono varia muito de acordo com o tempo e com a região. No século XVIII, por exemplo, cerca de 5% das crianças livres no Brasil eram abandonadas ao nascer. Na ainda pequena cidade de São Paulo, porém, entre 1750 e 1850, a taxa chegou a 15%. Estes dados são resultantes de pesquisa realizada durante dez anos na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP sobre a História da Criança no Brasil. Coordenada pela professora de História Social, Maria Luíza Marcílio, o estudo envolveu cerca de 100 pesquisadores e teve parte dedicada à história da criança abandonada no país.
        Ainda no século XVIII, foram criadas no país as primeiras instituições de amparo à criança abandonada, copiadas da Europa. Eram as Rodas dos Expostos, mecanismos em que a criança era depositada e, com a ajuda de uma engrenagem, levada para dentro das Santas Casas, garantindo o anonimato da mãe. "Foi na verdade uma oficialização do abandono, estimulando a prática e levando a um grande aumento da taxa", diz a pesquisadora. Quando as rodas foram fechadas, no começo e em meados do século XX, caiu o número de crianças abandonadas.
        As cifras obtidas na pesquisa ajudaram a professora a descobrir a causa principal da prática de abandonar crianças – a pobreza – e outras características da prática, como o fato de ser mais freqüente em zonas urbanas. O aumento da taxa de abandono entre filhos ilegítimos em algumas sociedades específicas, como a de Minas Gerais do século XVIII, revelou também a dificuldade em formar famílias e a fragilidade da própria estrutura familiar entre a população mais carente.
        A partir de fins do século XIX, juristas brasileiros começaram a preocupar-se com a questão dos abandonados, ampliando o conceito e criando a condição do "moralmente abandonado", crianças que, mesmo tendo família, viviam na rua. Em 1927, a criação do primeiro Código de Menores do Brasil recebeu fortes influências de teorias vindas da européias que igualavam as crianças nesta condição a infratores. "Considerava-se que o moralmente abandonado, se ainda não era bandido, inevitavelmente ia tornar-se um", diz Maria Luíza, revelando que para resolver o problema a legislação previa internações e punições, enfim, a intervenção do Estado na vida familiar.
        A dualidade entre a criança e o menor, "o pobre e desvalido", só começou a ser atenuada no Brasil com a criação, pela ONU, dos documentos internacionais de direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, e a Declaração dos Direitos da Criança, da qual o Brasil é signatário, de 1959, proclamam vários princípios fundamentais de proteção à criança: proteção integral, a criança como sujeito de direitos, sejam eles lazer, alimentação, família, educação, saúde, e como prioridade absoluta da nação.
        Esses princípios passaram a valer no Brasil com a Constituição Democrática de 1988, mas só foram reforçados e desenvolvidos em 1990, com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). "Trata-se de um documento revolucionário, uma das leis mais perfeitas que existem", afirma Maria Luíza. Ela ressalta que o ECA está todo fundamentado nas convenções e declarações dos direitos da criança da ONU e nas chamadas Regras de Beijing, documento internacional que estabelece regras para o tratamento do jovem em conflito com a lei. "Houve um salto qualitativo em termos de lei, e agora a luta toda é para fazê-la valer", diz.
        Os resultados da pesquisa estão no livro A história social da criança abandonada, publicado em 1998 pela editora Hucitec e escrito por Maria Luíza, que também preside a Comissão de Direitos Humanos da USP e coordena a Biblioteca Virtual de Direitos Humanos, também da Universidade, onde estão todos os documentos internacionais de Direitos Humanos elaborados pelas Nações Unidas, em português. O endereço da biblioteca virtual é www.direitoshumanos.usp.br. A professora participa do evento USP fala sobre Violência, que acontece dia 22, a partir das 9 horas no Auditório da Escola Politécnica da USP. 

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